REAJUSTE NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS OU “CUIDADO COM A PEGADINHA DO MALANDRO!”

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Dois colegas conversam:

– E aí, tudo bão? Vamos comer aquela feijoada hoje no almoço?

– Opa, mas só se for agora. Tô dentro!

Os dois devoram uma feijoada com direito a torresmo e chope gelado. Na hora de pagar a conta, o rapaz que fez o convite chama o garçom:

– Ô chefia, traz a dolorosa que meu camarada aqui vai pagar tudo hoje.

– Mas hein? Que história é essa?! Você me perguntou se eu queria almoçar, não disse nada sobre pagar a conta sozinho.

– Olha, só lamento, meu amigo. Quando aceitou o convite, era sua obrigação ter deixado claro que não aceitava pagar a conta inteira!

Indignado, o pobre sai do restaurante empanturrado e com a carteira vazia.

O que esse diálogo tem a ver com o reajuste nos contratos administrativos? TEM TUDO A VER. Confira abaixo.

***

Os contratos administrativos de execução continuada, de uma forma geral, têm a vigência de doze meses, podendo ser prorrogados por iguais períodos até um limite de sessenta meses, como preconiza o inciso II do artigo 57 da Lei nº 8.666/93, que regula as normas de contratações da Administração Pública.

Na prática, quando a vigência contratual se aproxima do fim, a Administração Pública encaminha um ofício à contratada questionando quanto ao interesse na prorrogação da avença. Caso haja aceite, e os preços se mantenham vantajosos, o contrato é prorrogado. Até aí, tudo normal, dentro da legalidade.

Passados alguns meses de execução contratual, o empresário verifica que decorreu o prazo estabelecido em contrato para que haja o reajuste dos preços. Então, ele solicita que a administração faça o devido apostilamento a fim de recompor a equação econômico-financeira do ajuste.

Neste momento é que o caldo entorna. É praxe em diversos órgãos públicos Brasil afora informar, em resposta, que tal reajuste não será possível. E por quê? Porque, ao aceitar a prorrogação da vigência sem resguardar expressamente o interesse no reajuste, a empresa concordou tacitamente com os valores praticados e, portanto, perdeu o direito à recomposição de preços. É uma interpretação perversa do instituto da preclusão lógica (“perda da faculdade/poder processual por se ter praticado ato incompatível com seu exercício” – DIDIER Jr. Fredie, Curso de Direito Processual Civil. Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento).

Dessa forma, o empresário se vê obrigado a carregar o contrato nas costas até o fim da vigência com preços defasados porque foi vítima de uma manobra, de uma artimanha, a que denomino: Pegadinha do malandro da Administração Pública.

Ora, em primeiro lugar: se o direito ao reajuste de preços é cláusula constante do contrato, e a prorrogação é o instituto que renova os termos contratuais por igual período de tempo, resta evidente que não há que se falar em preclusão, visto que o direito ao reajuste se mantém após a prorrogação. Ademais, via de regra, os editais e contratos não determinam que o reajuste só será concedido em caso de pedido expresso da contratada, bastando o transcurso do prazo contratualmente previsto.

Mas, independentemente disso, há uma questão maior, que trata do dever de boa-fé. Conforme a dicção do artigo 422 do Código Civil, os contratantes são obrigados a agir de boa-fé na execução do contrato. No mesmo sentido, o inciso IV do artigo 2º da Lei nº 9784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, dispõe que é dever da Administração agir de acordo com os padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé.

Pergunta: será que a Administração Pública age de boa-fé ao questionar o contratado quanto ao desejo em prorrogar o ajuste, sem deixar claro que a empresa deve também se manifestar quanto ao interesse no reajuste dos preços, sob pena de perder esse direito? Evidentemente que não! Assim, o contratado parece o rapaz do diálogo acima, que aceita o convite para uma feijoada sem saber que secretamente está concordando em pagar a conta inteira.

É importante salientar que a própria Advocacia-Geral da União (AGU), por meio do Parecer nº 02/2016, recomendou que a Administração Pública promova os reajustes previstos em contratos de maneira automática e periódica, de ofício – isto é, independentemente de solicitação da contratada. Nada mais lógico. Ou ao negar o reajuste contratualmente previsto a Administração Pública não está, ao fim e ao cabo, enriquecendo ilicitamente?

Infelizmente, poucos órgãos públicos adotam a prática recomendada pela AGU, o que obriga os empresários a estarem sempre alertas para não caírem nessa verdadeira pegadinha do malandro.

Felipe Chagas Dornelles

Advogado

Sócio da Silva Chagas e Muller – Advogados Associados

 

 

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