HAVERÁ ELEIÇÕES EM 2020?

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Como é de conhecimento notório, o Brasil – e o mundo – enfrentam uma emergência de saúde pública sem precedentes, ocasionada pela pandemia do novo Coronavírus (COVID-19). Nesse contexto, foram noticiados pelos meios de comunicações diversos Projetos de Emendas à Constituição com o objetivo de alterar a data das eleições municipais, prevista para ocorrer no dia 04 de outubro do corrente ano.

Em primeiro lugar, é importante esclarecer a avalanche de desinformação que permeia a temática, muito em decorrência da própria atividade do Congresso Nacional, que está marcada pela polarização da classe política.

Portanto, antes de prosseguir, é crucial estabelecermos a diferença entre propostas de adiamento das eleições e propostas de criação de mandatos tampão, como aquela apresentada pelo Deputado Federal Aécio Neves[1], que pretende prorrogar os mandatos de Prefeitos e Vereadores até 2022.

Pois bem, é justamente em situações excepcionais, grandes crises, cenários de Pandemia como o atual, que devemos salvaguardar ao máximo nossas instituições democráticas. Cite-se, por exemplo, a proibição de emendas à Constituição durante estado de defesa e estado de sítio: o recado é muito claro: é preciso blindar o Estado Democrático de Direito contra “oportunistas da crise”[2].

Frisa-se que vivenciamos uma crise que não sabemos quando terminará, e ainda assim já existem várias propostas de emenda à Constituição postulando a unificação dos mandatos até 2022[3], como se essa pandemia fosse perdurar por dois anos e meio, e nós sabemos que não vai durar, e não sabemos por opinião própria ou por achismo, nos sabemos por informação das autoridades sanitárias.[4]

Logo, causa estranheza que justamente no momento em que deveríamos reafirmar determinadas instituições democráticas surjam propostas inoportunas, e porque não dizer oportunistas, de unificação dos mandatos.

É importante rememorar que o Congresso Nacional recentemente ao debater a reforma política rejeitou a proposta de unificação das eleições[5].

Portanto, prorrogar mandatos até 2022 com intuito de unificação dos pleitos não deve estar na nossa mesa, pois demandaria alterações profundas no texto constitucional, o que causaria um risco absurdo à própria continuidade de sobrevida de nossa democracia, que ainda é uma “menina moça”.

Nesse contexto de fragilidade institucional, de polarização política, e de esgarçamento do tecido social, é fundamental manter as cláusulas nucleares do contrato político firmado na Constituição de 1988. Ou seja, a preservação da periodicidade do voto (cláusula pétrea)[6] e da autenticidade do voto do eleitor, que escolheu pessoas para mandatos de 4 anos, e não 5 ou 6.

Feito esse recorte, passamos a análise do adiamento (leia-se prorrogação apenas por um período de preservação da saúde pública):

O Processo Eleitoral que afeta a movimentação de pessoas começa mesmo a partir do dia 15 de Agosto (ultimo dia para registro de candidatura).

Portanto, me parece prematuro cogitar esse adiamento visto que ainda não temos terreno firme para projetar até quando essa crise de saúde pública vai durar.

Percebe-se que vários Países do mundo já adiaram suas eleições, como é o caso de Bolívia[7], Chile[8] e Uruguai[9], ocorre que, essas eleições ocorreriam entre abril e maio e foram adiadas justamente para outubro, mesmo período de nossas eleições.

Nos EUA, onde os especialistas projetam o pior cenário em número de mortes[10], por exemplo, é praticamente uma heresia cogitar adiamento de eleições, pois como apontaram alguns cientistas políticos, o povo americano foi às urnas durante a Guerra da Secessão, Durante a Gripe Espanhola, durante a Primeira Guerra Mundial e Durante a Segunda Guerra Mundial, “esse vírus pode colocar de joelho nosso sistema de saúde, mas não pode colocar em cheque nossas instituições democráticas”.[11]

É claro que há outras etapas previstas para acontecer antes de 15 de Agosto, tais como: Filiação partidária, desincompatibilização, transferência do domicílio eleitoral, dentre outros. Mas são prazos que afetam diretamente a relação com a Justiça Eleitoral, e já foram disponibilizado canais de comunicação digital para solução dessas questões.

Por fim, apenas se o exercício do voto for prejudicado por decisão das autoridades de saúde é que teremos uma alteração do calendário eleitoral, e essa alteração deverá ser apenas o tempo necessário para o combate ao Coronavírus, e jamais com vistas à unificação de mandatos, pois este é um precedente que não devemos abrir, pelo bem de nossa democracia.

 

Raoni Müller

Advogado

OAB/DF n° 59.177

[1]https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2020/03/aecio-neves-apresenta-pec-para-adiar-eleicoes-de-2020-para-2022.shtml

[2]Art. 60,§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.

[3]https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2020/04/eleicoes-municipais-deste-ano-poderao-ser-adiadas-para-2022

[4]https://oglobo.globo.com/sociedade/mandetta-preve-colapso-do-sistema-em-abril-queda-profunda-dos-casos-em-setembro-24318897

[5]https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=373327

[6]Art. 60, § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais.

[7]https://oglobo.globo.com/mundo/bolivia-adia-eleicao-por-causa-de-novo-coronavirus-24320874

[8]https://jovempan.com.br/noticias/mundo/chile-adia-plebiscito-eleicoes-municipais.html

[9]https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2020/04/02/interna_internacional,1135116/parlamento-uruguaio-adia-eleicoes-municipais-por-coronavirus.shtml

[10]https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,especialistas-projetam-pior-cenario-para-casos-de-mortes-por-coronavirus-nos-eua,70003232761

[11]https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52029791

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